Noel Rosa de Oliveira – A Voz Eterna do Salgueiro

Há vozes que nunca deveriam se calar, e uma delas é a de Noel Rosa de Oliveira, o velho compositor e puxador salgueirense, dono de um dos mais belos timbres vocais que o samba já conheceu. Seu canto ecoava forte na avenida, carregado de emoção, tradição e verdade. Seu nome está escrito entre os grandes, como coautor de obras que o tempo jamais poderá apagar.

Noel nasceu no Morro do Salgueiro, em 15 de julho de 1920, menos de dez anos depois do Noel Rosa de Vila Isabel. Os nomes idênticos são mera coincidência, mas ambos deixaram marcas profundas na música brasileira. Quando o salgueirense veio ao mundo, o Poeta da Vila ainda nem sonhava em compor os sambas que o eternizariam. Mas o Noel do Salgueiro já trazia no sangue o ritmo dos tamborins e o destino de se tornar um dos maiores do seu tempo.

Desde os 13 anos, já dominava os instrumentos de percussão e era presença certa nas rodas de partido-alto, bem ali, em frente à venda de seu pai, onde o samba corria solto e a boemia pulsava. Era o mascote da turma, querido e respeitado pelos mais velhos. Foi também aos 13 anos que ingressou na Unidos do Salgueiro, uma das três escolas que, anos depois, dariam origem à grandiosa Acadêmicos do Salgueiro. Entre 1939 e 1954, além de compositor, tornou-se diretor de harmonia, ajudando a moldar a identidade da escola.

A genialidade de Noel brilhou intensamente no samba-enredo. Em 1960, levou para a avenida o belíssimo “Quilombo dos Palmares”, em parceria com Anescarzinho e Walter Moreira, exaltando a resistência negra com versos que ecoaram na alma do povo. Três anos depois, novamente com Anescarzinho, fez o mundo do samba vibrar com a história de “Chica da Silva”, a escrava que desafiou seu destino com força e sedução.

Em 1964, Noel Rosa de Oliveira mostrou que seu talento ia além da avenida. Sua composição “O Neguinho e a Senhorita”, gravada por Noite Ilustrada, contava, com emoção e realidade, a história do menino negro e pobre que se apaixonou pela filha da madame. O samba fez tanto sucesso que foi regravado por Elza Soares e Neguinho da Beija-Flor, mantendo viva a mensagem de desigualdade e resistência. No ano seguinte, sua música “Vem Chegando a Madrugada” explodiu nas rádios na voz de Jair Rodrigues, tornando-se um clássico da MPB.

Mas Noel não era apenas compositor. Era um sambista de corpo e alma. No final da década de 1960, fez parte do grupo A Voz do Samba e, nos anos 1970, integrou o conjunto Os Partideiros do Plá, sempre fiel às raízes do samba autêntico.

Sua voz foi a marca registrada do Salgueiro por quase duas décadas. Numa época em que o puxador cantava cercado das pastoras da escola, sem os luxos dos carros de som potentes, sem a comercialização desenfreada do samba-enredo, Noel era a alma do desfile. Seu canto ressoava forte, natural, como um chamado ancestral. Dividiu esse posto com grandes nomes como Djalma Sabiá, Zuzuca, Jorge Goulart, Sônia Santos e Joel Teixeira.

Em 1977, passou o bastão e o microfone para o então jovem Rico Medeiros, encerrando sua trajetória como puxador, mas nunca como sambista. O Salgueiro era sua casa, seu chão, seu coração.

E foi esse coração, carregado de poesia e história, que parou de bater em 19 de março de 1988, um mês depois de ter desfilado uma última vez pela sua escola do peito, no enredo “Em Busca do Ouro”. Mas Noel Rosa de Oliveira jamais será esquecido. Sua voz ainda ecoa nas arquibancadas, nos terreiros, nas rodas de samba.

Porque quem canta com alma nunca morre.
E o Salgueiro sempre terá Noel Rosa de Oliveira como um de seus maiores tesouros.

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